terça-feira, 1 de junho de 2010

Momento Crítico #25

3 estrelas e meia, no Ípsilon de 28 de Maio de 2010:

O "good time" deste "ragtime"
"Os Soaked Lamb afirmam não ter grande interesse na música posterior à década de 50, e não precisavam de o dizer para que o soubéssemos. Os Soaked Lamb, que se vestem como "travelling band" da América pós-Grande Depressão, surgem perante nós como artistas elegantes com espírito de caixeiro-viajante (mala às costas, fatos e vestido de bom corte e chapéu na cabeça). São banda de blues já electrificado e de jazz que ainda não "solificou". Mas não se cristalizam aí.
Há desvios pela inocência da América dos anos 1950, em que os sonhos pareciam paisagem havaiana com banda sonora de guitarra "pedal steel" ("Smilin" moon") ou até à Europa latina, porque, na verdade, fanfarra italiana combina bem com este espírito (confirme-se a recta final do lamento assombrado por violino de "Grain by grain"). De resto, o ataque de guitarra eléctrica a abrir "Blue voodoo" faz questão de acentuar que os Soaked Lamb até podem ser fantasia de um Cotton Club imaginário, mas não são certamente arqueologia. E ainda bem.
"Ditadura de seis elementos" onde se destaca o multifacetado Afonso Cruz, ilustrador, realizador de animação, escritor e, na banda, homem dos mil instrumentos e dono da voz gravíssima que serve de contraponto à elegância de Mariana Lima (saxofonista e vocalista a tempo quase inteiro), os Soaked Lamb de "Hats & Chairs" não fazem recriações. A naturalidade da interpretação, quer nos solos de trompete com surdina, quer no amor sem espaço para lamechices (o filtro que o cobre é o da Hollywood de Rita Hayworth ou Robet Mitchum), quer no gosto evidente pelo revolver da tradição operado por Tom Waits, impede-nos de sentir as canções como exercícios de estilo. Descobrimo-los assim: banda moderna a oferecer-nos novas versões de bailes antigos.
Em disco, é difícil resistir ao "good time" deste "ragtime". Ao vivo, imaginamos, sê-lo-á mais ainda." M.L. in Público

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