Espectacular digressão pelo País real
Estive a tocar, nos dois últimos fins-de-semana, em Coimbra, Leiria, Beja e Portalegre. Gostei muito, essencialmente daquele senhor que dizia para tocarmos aquela. Também havia, em Leiria, uma groupie com a camisa aberta e o peito ao léu. Estou a brincar, era um homem.
A banda deu várias entrevistas, todas muito bem dadas, repletas de bom senso e criteriosa auto-análise. Aliás, se não fosse a banda a responder desse modo tão pertinaz, os músicos que a compõem ter-se-iam limitado a respostas medíocres, como vem sendo hábito. Emocionei-me quando um entrevistador se sentiu comovido com uma letra minha, "A Coffin for Two". Contive as lágrimas, mas deixei que os violinos continuassem a soar. Quando o segundo violino se enganou escandalosamente, tocando um arpejo em Mi diminuto sobre um Ré maior, é que percebi que era tudo produto da minha cabeça. E depois, com os olhos ainda marejados, olhei para o Gito (o contrabaixista) e notei que, também ele, tinha um nó na garganta. Era a gravata.
Em Portalegre, o palco fica muito próximo da casa de banho o que é bom para o pianista, que é o que tem mais urgência de urinol. Eu também costumo ir todas as semanas.
Em Coimbra tocámos num salão de carisma onde o meu pai, quando eu ainda não era nascido (que saudades que eu tenho desses tempos), jogava bilhar: o Salão Brazil. A cerveja, que tem aquela tendência mórbida de se deixar morrer mal se vê fechada dentro dum copo, esteve sempre fresca. A mesa de snooker precisava duma pequena afinação. Enfim, não foi a única coisa desafinada nessa noite. Lembro-me, com algum carinho, dum Si bemol que deixei escapar sem querer. Felizmente não cheira. De resto, toquei sempre evitando citar Merleau-Ponty no banjo, mas não pude conter um ou outro som menos positivista. Assim, convém notar duas coisas: A primeira é que, do nosso lado, pudemos corroborar o facto de não existir separação entre sujeito e objecto, exactamente como enuncia a fenomenologia mais ortodoxa, mesmo quando está sóbria. A segunda é que do lado do público ninguém se despiu, por isso seria pretensão nossa qualquer alusão à união sujeito/objecto (gravemente reprovada pela Igreja).
Em Beja alguém gritou encore mas nós, infelizmente, não temos músicas francesas no repertório.
Fizemos bastantes quilómetros e foi um pouco cansativo. Comprovámos, nestas viagens, que Lisboa fica demasiado longe de Portugal. E que em Leiria há um homem que rapa os pêlos do peito.
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